A ordem e a lei José Carlos Tórtima* A nova administração municipal da cidade anunciou, como uma de suas primeiras medidas, a proibição de os mendigos dormirem nas ruas.A providência estaria incluída no pacote de combate à desordem urbana, anunciado pelo prefeito Eduardo Paes já em sua campanha. De fato, é de ser reconhecido que a presença de mendigos e desocupados dormindo nas ruas incomoda os residentes dos bairros onde eles costumam pernoitar. Não se pode negar serem desagradáveis, senão chocantes, as cenas de miséria humana explícita, retratadas naqueles corpos esquálidos e sujos, precocemente arruinados pelo alcoolismo e pela inalação de solventes, ali estirados na via pública, a poucos metros de nossas casas ou de nossos locais de trabalho. E, como o que os olhos não vêem o coração não sente, o fato é que ninguém quer vê-los por perto. Todavia, a solução cosmética de tirar esses filhos da miséria das ruas, levando-os compulsoriamente para os abrigos, embora agrade boa parte da opinião pública, pode esbarrar em obstáculos legais. Afinal, não existe lei que proíba alguém de dormir ao relento, desde que não ponha em risco a incolumidade pública ou prejudique a circulação dos pedestres e o ingresso nos prédios públicos e particulares. Se você, caro leitor, num assomo de excentricidade, decidisse dormir uma noite ao luar, nos jardins da praça em frente à sua casa, ou sob algum viaduto, nenhuma autoridade pública teria amparo legal para impedi-lo. Por que seria diferente com os pobres sem-teto, por mais que sua presença nos incomode e teime em nos fazer recordar o quão injusto e desigual ainda permanece este nosso Brasil? *José Carlos Tórtima é presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ. Artigo publicado no jornal O Dia, em 6 de janeiro de 2009.