30/08/2023 - 09:03 | última atualização em 30/08/2023 - 18:52

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Artigo: Desaparecimento forçado no Brasil – desafio para democracia

Carlos Nicodemos*


O processo de redemocratização do Brasil, iniciado em 1985 e referendado com a nossa Constituição de 1988, a Carta Política da moderna democracia, tem impulsionado ao longo dos anos um desafio de aprimoramento da agenda de afirmação dos direitos humanos como um valor e elemento chave de validação do Estado de Direito.

Nesta toada vários tratados de direitos humanos e sistemas de monitoramento e controle quanto a respeitabilidade dos direitos humanos, em âmbito regional das Américas e na esfera mundial, tem sido reconhecidos e pactuados, especialmente nas relações multilaterais de organismos internacionais.

Neste contexto, merece um descortinamento histórico a política mundial de enfrentamento ao desaparecimento forçado que neste dia 30 de agosto ganhou uma menção e alusão por parte da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em 2011 a ONU instituiu o dia 30 de agosto como Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado, entendendo para todos fins legais e políticos por “desaparecimento forçado” toda detenção, prisão, sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade pelo apoio, consentimento ou atuação direta de agentes do Estado. 

Trata-se de uma agenda que remonta o debate quanto aos regimes autoritários, especialmente com as ditaduras militares, que no Brasil, não muito diferente de outros países da região, de 1964 e 1985, produziu um sombrio capítulo da história de perseguições, desaparecimentos e mortes de pessoas por suas convicções ideológicas.

O propósito da ONU ao instituir a data é trazer não só a demanda de entregar uma resposta no campo da Memória, Verdade e Justiça, mas também estabelecer formas e mecanismos de enfrentamento ao desparecimento forçado nas denominadas modernas democracias. 

E é neste contexto que nasce o dia 30 de agosto como o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, data criada para dar ampla visibilidade  a esta difícil agenda no campo dos direitos humanos.

Para além deste processo de mobilização na perspectiva de uma educação em direitos humanos, tratando-se de Brasil, desde de 2013, somos signatários da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas da OEA-Organização dos Estados Americanos. Em 2016 o Estado brasileiro passou a fazer parte da Convenção Internacional para Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados da ONU.

Ambos tratados internacionais, além de trazerem um conceito na perspectiva dos direitos humanos apontam a necessidade de os estados produzirem internamente legislações que possam efetivamente coibir o desaparecimento forçado de pessoas.

Como já mencionado, trata-se de um crime que tem contornos históricos de participação direta de agentes do Estado que, mesmo na democracia moderna brasileira, herdou-se está pratica que em sua ampla maioria vitimiza no território pessoas pretas institucionalizadas na pobreza e atingidas pelo controle punitivo social das mazelas do Estado.

Não a toa o Brasil tem um encontro com a história para de prestação de contas no dia 12 de outubro de 2023, na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA-Organização dos Estados Americanos, quando será julgado pelo desaparecimento forçado de 11 pessoas, sendo nove crianças e adolescentes e dois jovens adultos.

Trata-se do Caso Leite de Souza e outros vs. Brasil (CDH 2-2022/033), nacionalmente conhecido Caso das Mães de Acari, um coletivo de mães e familiares que se uniram em busca de justiça e reparação pelas vítimas de uma chacina.

A Chacina de Acari ocorreu em 26 de julho de 1990, quando onze pessoas desapareceram em Magé, no Rio de Janeiro. Na ocasião, as vítimas foram retiradas de um sítio em Suruí, bairro de Magé, onde passavam o dia, por um grupo que se identificara como policiais e nunca mais foram vistas.

O conhecido e internacional “Caso Mães de Acari”, que no ano de 2023 completou 33 anos, desafia a democracia brasileira a dar respostas não só reparatórias para as vítimas, como a construção de um Memorial; uma indenização para os familiares; a responsabilização dos agentes estatais pela impunidade que se institucionalizou no caso e etc, mas também medidas de não  repetição da prática do desaparecimento forçado no país.

E é neste sentido que deixamos aqui duas proposições nesta data internacional alusiva às vítimas do desaparecimento forçado. A primeira quanto a necessidade do Estado brasileiro de reconhecer o mecanismo de denúncia e comunicação de casos para o Comitê da Convenção Internacional para Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados da ONU. Trata-se de uma medida imperativa em respeito especial à democracia e aos compromissos com o mínimo civilizatório do país frente ao mundo.

A segunda questão diz respeito ao Congresso Nacional em cumprir sua missão constitucional e legislar sobre o tema, trazendo não só definições conceituais de desaparecimento forçado, mas também mecanismos de enfrentamento, acolhimento às vítimas, especialmente familiares, além das reparações pelas eventuais violações de direitos humanos. Para isso, merece especial destaque o Projeto de Lei  6240/2013 que tramita no Congresso Nacional que precisa ser aprovado.

E assim, neste dia tão importante para agenda internacional dos direitos humanos, trabalhemos por um iluminismo institucional do Estado brasileiro e que possamos fazer este dever de casa em respeito às vítimas deste crime que nos afeta e atinge a humanidade.

*Carlos Nicodemos é presidente da Comissão de Direito Internacional da OABRJ; membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos e da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB.

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