20/10/2009 - 16:06

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Artigo: Caiu a medalha - Alexandre Neto

Caiu a medalha

 

Alexandre Neto*

 

 

A tragédia que se abateu sobre o Rio pré-olímpico já era anunciada e, por sorte, não se deu antes de sermos escolhidos como sede dos Jogos. Mas ela se deve, sobretudo, ao empirismo de nossas forças policiais e à hipocrisia repetitiva de nossos políticos e governantes, que repudiam a transparência nos serviços públicos e apostam na opacidade da administração para se manterem no poder e no centro das decisões de nossas vidas.

 

A prova disso é que, recentemente, duas leis aprovadas pela Alerj, de importante interesse público, acabaram vetadas pelo governador. A primeira obrigava a instalação de câmeras em todos os carros oficiais das forças de segurança do estado, aí se incluindo a Polícia Civil, a Polícia Militar o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil. O Executivo entendeu que tal projeto de lei se afigurava preconceituoso com os policiais, como se tal "preconceito" não existisse e fosse obra da imaginação do idealizador do projeto. A segunda, tratava da extinção das chamadas centrais de flagrante, onde delegados de polícia e seus agentes, sem qualquer remuneração correspondente, acumulam toda a demanda de autos de prisão em flagrante ocorridos em uma determinada área geográfica do estado, em total desobediência à lei, mas em estrita obediência a um simples ato administrativo (Portaria PCERJ 035\/96), impondo também inconteste sacrifício aos policiais militares envolvidos nas ocorrências policiais, os quais são obrigados a deixar suas áreas de patrulhamento ostensivo para se dirigirem a circunscrições diversas de onde se deram os fatos, a fim de submetê-los à apreciação da competente autoridade policial.

 

Enfim: não há política de segurança pública, mas apenas decisões políticas na área de segurança.

 

A queda de um helicóptero no domingo é resultado da habitual e contumaz capacidade de improvisação de nossas forças policiais no combate ao crime, pois é nesse diferencial que comandantes e delegados de polícia colhem seus frutos de prestígio pessoal e profissional, escolhendo a dedo as suas equipes, sempre aptas para todo o tipo de "serviço". Qualquer força de segurança no mundo jamais autorizaria a incursão de uma aeronave inadequada (sem blindagem apropriada) numa área conflagrada e munida de armas de grosso calibre, prontas para abatê-las caso os marginais se vissem acuados. A previsibilidade é latente. E esse é um fator que não se pode desprezar, em hipótese alguma.

 

Por outro lado, os nossos serviços de inteligência ainda dependem, na ponta, de policiais despreparados e, muitas das vezes, envolvidos com o próprio crime que deveriam combater, daí resultando o fracasso de algumas operações, consoante vazamentos noticiados pela imprensa.

 

Mas o fato é que os governos de nosso estado - tanto os que já se passaram como o atual - não se preocupam muito com a segurança pública cotidiana, pois sabem muito bem que qualquer evento internacional que ocorra em nossa cidade, além do seu caráter breve e passageiro, receberá o total apoio da União, com emprego maciço das Forças Armadas e da própria Força Nacional de Segurança - que findam por amealhar o verdadeiro legado do acontecimento, cabendo às Polícias Civil e Militar as migalhas do evento, pois nossos governantes apostam na descartabilidade dos policiais que se aventuram no combate ao crime, tal qual ocorre no tráfico de drogas. Assim foi com o Pan e a Rio-92, e com outros encontros internacionais sediados em nossa Cidade Maravilhosa.

 

A nossa incapacidade de gestão já está por demais comprovada com o chamado projeto Delegacia Legal e até com o IML Legal, cuja inauguração foi sistematicamente postergada, sendo certo que os esquemas envolvendo o superfaturamento de tal projeto ainda se encontram em andamento na Justiça Federal, pois os nomes coroados permanecem impunes.

 

Assim, a anunciada "resposta à altura" haverá de ser dada, primeiramente, às polícias estaduais, até porque com o que se tem à disposição delas muito pouco se pode fazer, pois tal resposta continuará implicando novos sacrifícios e improvisações por parte dos órgãos de segurança e seu pessoal. A luta se dá entre os "jagunços" do estado e os "cangaceiros" do tráfico.

 

Em suma: a medalha caiu. Dois verdadeiros atletas do Olimpo deram suas vidas e foram desclassificados pelo próprio estado. Até as Olimpíadas, quantos outros atletas verdadeiros ainda serão eliminados?

 

 

*Alexandre Neto é delegado de polícia.

 

Artigo publicado no jornal O Globo, em 20 de outubro de 2009.

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