27/09/2013 - 11:03 | última atualização em 27/09/2013 - 11:06

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Apuração de cartel em SP vai ultrapassar 2014

site Valor Online

As investigações da prática de cartel nos transportes de São Paulo permeiam vários órgãos, proliferam-se em cada um deles e geram disputa por documentos para que todos possam tocar suas apurações. Não se estima um prazo para o final dos processos, mas com certeza vão ultrapassar a época das eleições de 2014, quando o caso deve ser explorado pela oposição ao governo de Geraldo Alckmin (PSDB), pré-candidato à reeleição.
 
O conluio entre empresas para manipular e obter o melhor preço nos negócios de trens, que veio a público entre julho e agosto, atinge pelo menos 14 empresas, incluindo a Siemens que delatou o esquema em maio, 17 contratos e 11 licitações. O esquema atuou por um prazo de dez anos, de 1998 a 2008, período dos governos do PSDB de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. Os contratos totalizam valores bilionários para o fornecimento de trens e equipamentos ao Metrô e à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
 
O caso tramita no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e é investigado pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de São Paulo e Polícia Federal. O governo paulista, apontado como conivente com o esquema, também faz apuração por meio da Corregedoria-Geral da Administração.
 
No conselho, que investiga o caso desde julho, seu presidente, Vinícius Marques de Carvalho, afirmou que espera concluir a análise do material até dezembro. Mas em seguida virão os processos administrativos, em geral demorados. No cartel das aéreas, em que um grupo de empresas do ramo foi condenado pelo Cade, a decisão saiu em agosto, sete anos após o início da apuração.
 
Nesta semana, a corregedoria divulgou em seu site o encaminhamento das apurações, realizadas desde julho. As pressões para a divulgação vieram principalmente de um grupo de entidades da sociedade civil convocado pelo governador para acompanhar o caso.
 
A corregedoria criou uma força-tarefa com dez pessoas dedicadas ao caso. Assim como todas as instâncias que investigam o cartel, teve de recorrer à Justiça para receber os documentos do Cade - uma exigência para o material sigiloso. A primeira leva chegou em agosto. A segunda, originária da busca e apreensão em 13 empresas ligadas ao caso, virá apenas em dezembro. O material atinge 30 terabytes - em apenas um terabyte é possível arquivar 330 mil fotos.
 
Trinta depoimentos foram realizados pela corregedoria com representantes de empresas e funcionários do Metrô e da CPTM. Apenas a Siemens negou-se a colaborar. Em nota, a empresa afirma que mantém sigilo para não prejudicar as investigações do Cade, com que fez acordo em troca de imunidade.
 
O conteúdo das oitivas, porém, não é revelado, nem mesmo para o grupo externo que faz o acompanhamento. A corregedoria alega que é preciso evitar prejulgamento e o risco de nulidade futura do processo por parte das empresas. Outro foco é contatar bancos de fomento, como o Banco Mundial, que financiou parte dos contratos, para apurar se houve falta de fiscalização.
 
O corregedor-geral Gustavo Ungaro afirma que, na denúncia, a Siemens não cita o envolvimento de agentes públicos, mas a possível conivência com pagamento de propina está sendo investigada.
 
Questionado se acredita na existência do cartel, o corregedor afirma que a denúncia "é verossímil". "Os elementos que apontam para o cartel são expressivos", disse. Indica que "o cartel é sorrateiro", o que dificulta a apuração. O próprio Alckmin considera a Siemens "ré confessa", o que deve gerar processos administrativos e impedimento de participar de novas licitações. Ungaro vê possibilidade sobrepreço na maioria dos contratos, mas não estima o prejuízo.
 
Mesmo sem este valor, o governo paulista ingressou na Justiça em agosto com uma ação de indenização contra a Siemens, inacessível que corre em segredo de Justiça. A ação deixou de fora as demais empresas do esquema. Há a especulação de que o conluio levava 30% a mais nos contratos, o que daria um total estimado em mais de R$ 400 milhões de reais. "Não é uma conta fácil. Não é linear para todos os contratos", resume Ungaro.
 
O corregedor estima para "meados de 2014" o fim do processo. Sobre a potencial utilização do cartel nas eleições, diz apenas que o tema "não é da nossa alçada".
 
A comissão de acompanhamento externa, criada em 9 de agosto, é integrada por dez entidades da sociedade civil. Nas três reuniões já realizadas, sob a coordenação de Ungaro, os observadores receberam informações que consideraram insuficientes e fizeram sugestões que nem sempre foram acatadas. A principal é a divulgação das medidas no portal da corregedoria. Sugeriram ainda o afastamento das funções de todos os agentes públicos que tiveram papel decisório no caso - não acatada.
 
Um dos textos divulgados informa que foram ouvidas as empresas TTrans, Bombardier, Mitsui, Alstom, MPE, Temoinsa, citadas no acordo da Siemens, mas sem o conteúdo do que disseram. Os nomes dos funcionários do Metrô e da CPTM ouvidos não aparecem.
 
"Nossa posição é de que o que o governo trouxer na comissão tem que ser público", diz Paulo Itacarambi, do Instituto Ethos. Vicente Bagnoli, da Ordem dos Advogados de São Paulo (OAB-SP), acredita que a comissão é um instrumento que "força o Estado a prestar contas à sociedade".
 
Os documentos trazem uma tabela com todos os contratos sob investigação. São 17, realizados entre 2000 e 2009 para o fornecimento de serviços variados para CPTM e de para a linha verde do Metrô. Variam de R$ 1,17 bilhão a R$ 1,946 milhão. Dos 17, três (da Alstom e Iesa) estão em situação irregular no Tribunal de Contas do Estado (TCE), um (CAF) está pendente de julgamento e os demais estão em situação regular. O corregedor não informou os motivos.
 
"Levantamos dúvida da valoração dos preços das licitações... Tem que apurar", disse Manuel Enriquez Garcia, presidente da Ordem dos Economistas do Brasil. Para Claudio Abramo, é improvável que o cartel não tenha conivência com agente público. Após mais de um mês de reuniões, o governo paulista não deu respostas a essas questões, segundo os observadores.
 
Para a oposição ao governo Alckmin na Assembleia Legislativa, a comissão é desnecessária, uma vez que o Estado já dispõe de órgãos como o Ministério Público, a Corregedoria e o Tribunal de Contas. "Não é preciso um grupo de notáveis. Ninguém sabe o que eles fazem lá", disse o deputado estadual Luiz Claudio Marcolino, líder do PT. No grupo não há representante de trabalhadores.
 
Se quisesse investigar e dar transparência ao caso, diz, os partidos aliados ao governador, maioria na Assembleia, assinariam a criação de uma CPI que obteve 27 assinaturas das 32 necessárias.
 
O partido fez uma varredura sobre a atuação das empresas citadas no esquema de cartel e encontrou 618 contratos delas com o Estado de São Paulo num total de R$ 40 bilhões. Além da área de transporte, as mesmas companhias atuam em áreas como saúde, saneamento e energia.
 
As recentes denúncias deram novo fôlego ao Ministério Público de São Paulo, onde as investigações vêm desde 2008. O órgão acumula 49 inquéritos. Depois do escândalo do cartel, daquele total, mais quatro foram abertos e 15 foram "desarquivados".
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