09/03/2020 - 15:33 | última atualização em 09/03/2020 - 16:50

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Advogadas relatam uso abusivo de seus dados em unidades prisionais

Comissão de Prerrogativas levou a questão ao conhecimento da Polícia Civil, que aceitou fazer campanha de conscientização com seus agentes

Cássia Bittar


Desrespeito, desigualdade salarial, crescimento profissional dificultado, falta de espaços de poder, fiscalização sobre vestimenta, assédio. Se as prerrogativas profissionais da advocacia já são tão maculadas diariamente, quando falamos das mulheres advogadas a situação é ainda pior.

Apesar dos avanços a se comemorar neste 8 de março – data que marca a luta de mulheres no mundo todo por igualdade de oportunidades - , não são poucos os casos que chegam à Comissão de Prerrogativas da OABRJ e à Diretoria de Mulheres da Seccional relatando o descumprimento da Lei Julia Matos – que trata especificamente das prerrogativas das mulheres advogadas – ou de assédios sofridos por colegas no exercício de sua profissão.

Na área criminal, conta a coordenadora do Grupo de Trabalho de Prerrogativas da Mulher Advogada nas comissões de Prerrogativas e OAB Mulher, Fernanda Mata, está concentrada grande parcela dos casos.

“Recebemos muitos relatos de excessos cometidos com advogadas que, além da dificuldade do exercício da profissão, ainda têm que passar por situações como ter que tirar o sutiã, por exemplo, quando o detector de metal apita”, conta Fernanda, explicando que as colegas são obrigadas a retirar a peça ao entrarem em presídios para falar com seus clientes quando o arame contido nela aciona o alarme.

Mas um problema específico que vem chamando a atenção da Ordem nesta área –sendo objeto de trabalho para a Comissão de Prerrogativas – é o desrespeito cometido por servidores de delegacias e presídios que utilizam indevidamente dados cadastrais de advogadas para enviar mensagens com teor pessoal, na maioria das vezes abusivo.

Presidente da Comissão OAB Jovem, Amanda Magalhães foi uma das advogadas que passou por essa situação: “Fui à unidade prisional para uma reunião com meu cliente e entrei com a procuração que precisava. No livro de registro de entrada, o protocolo é deixarmos nosso telefone e endereço profissional. Uma semana depois recebi mensagem de um número desconhecido dizendo que sabia onde ficava meu escritório e que eu era muito bonita”.

Amanda conta que na conversa conseguiu identificar que se tratava de um servidor da unidade: “Eu fiquei em choque na hora, não por inexperiência, porque conheço minhas prerrogativas. Mas fiquei bem assustada porque eu estava trabalhando e uma pessoa usou meus dados para saber meu endereço. Olha que não é fácil me assustar, eu sou criminalista”.

O coordenador da Comissão de Prerrogativas nos assuntos relacionados à Polícia Civil, Leonardo da Luz, que levou em conjunto com os presidentes da OABRJ, Luciano Bandeira, e da comissão, Marcello Oliveira, e da própria Amanda, os casos ao conhecimento da instituição, conta que são muitos os casos que chegam ao grupo.

“Sinceramente, me deixou surpreso o número de advogadas que me procuraram com esse tipo de relato, reclamando desse tipo de assédio. Isso ocorrendo tanto em delegacias quanto em presídios. Uma chegou a me dizer que sentiu que estava sendo perseguida”.

Fernanda Mata afirma que, junto com outras situações diárias que mulheres criminalistas passam, este é um tipo de problema subnotificado: “Muitas se calam, têm vergonha de se expor, vão com roupa mais fechada por medo do que podem enfrentar. Muitas deixam de advogar por causa desse ambiente em que o assédio é presente”.

Diretora de Mulheres da Seccional, Marisa Gaudio afirma que a questão é pertinente não só pelo viés da defesa das prerrogativas mas como do direito da mulher: “É algo inaceitável e infelizmente as advogadas passam por isso cotidianamente, justamente porque a violação das nossas prerrogativas têm nuances diferentes com a questão do gênero”.

Ela completa: “As mulheres já são afastadas do mercado de trabalho por muitos motivos: dificuldade de acesso aos cargos mais altos, dificuldade para conciliar com a criação dos filhos, falta de incentivo dos empregadores e poder público... O assédio é mais uma delas. Muitas acham que de alguma forma contribuíram para esse comportamento, então é uma questão que precisa muito da nossa atenção”.

Ordem apresentou pleito em reunião com a Polícia Civil


No dia 18 de fevereiro, o presidente da OABRJ, Luciano Bandeira e o tesoureiro da Seccional e presidente da Comissão de Prerrogativas, Marcello Oliveira, levaram a questão ao subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, Fábio Barucke. Amanda Magalhães esteve presente no encontro e fez seu relato.

Na ocasião, Luciano contou que a Ordem estava sendo acionada de forma crescente, com casos de advogadas que receberam mensagens com diversas formas de abordagens, desde as mais disfarçadas até as mais agressivas, com convites para jantar fora. Em resposta, o subsecretário se comprometeu a fazer campanhas internas e a conscientizar a categoria para que esses problemas não se repitam.

Fernanda Mata acredita que além de uma campanha interna seria importante pensar em outras formas de controle de entrada de advogados – “talvez, pelo número da Ordem”, opina. “A gente não sabe quem tem acesso a esse livro”. Ela afirma também que o GT pensa em uma campanha mais expansiva de valorização das prerrogativas das advogadas criminais.

Marcello Oliveira frisa a importância do relato à comissão: “Não tenham medo, é essencial que as denúncias cheguem à Comissão de Prerrogativas para podermos nos posicionar. Muitas vezes ouvimos queixas, mas sem o caso concreto não podemos agir. Precisa haver uma rede de solidariedade em torno da proteção das prerrogativas profissionais”.

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