Influenciado em parte pelo boom econômico da classe média, o STF (Supremo Tribunal Federal) vivenciou nos últimos anos uma explosão de processos relacionados aos direitos do consumidor. Desde que a reforma do Poder Judiciário entrou em vigor, em meados dos anos 2000, as ações dessa natureza protocoladas na corte aumentaram quase 300%. O índice é maior do que o verificado nos processos criminais ou relacionados à administração pública. O cenário está exposto na pesquisa Supremo em Números, compilada pela FGV Direito Rio com dados do próprio tribunal. A Folha teve acesso ao trabalho, que será apresentado pela instituição, em Brasília, na próxima quarta-feira. Trata-se de um estudo que analisa a Suprema Corte pelo perfil de seus processos, a disparidade dos Estados e o peso de cada um deles no funcionamento do STF e os efeitos da reforma do Judiciário feita a partir de 2004. Além do fortalecimento econômico da classe média, o crescimento das ações de direitos do consumidor se explica pela redução dos processos de outras áreas. As reclamações contra empresas ou serviços (como bancos e telefonia, por exemplo) ocuparam o espaço que antes era de ações tributárias, trabalhistas e previdenciárias, revela a pesquisa. O estudo expõe deficiências da reforma do Judiciário: os processos do consumidor, majoritariamente de juizados especiais de pequenas causas, em tese não deveriam chegar até o Supremo - última instância para a apresentação de recursos. De acordo com o coordenador da pesquisa, Ivar A. Hartmann, professor do Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio, o aumento dos processos do consumidor mostra que o Supremo Tribunal Federal "passou a julgar casos do brasileiro médio". Para o ministro Marco Aurélio Mello, a situação evidencia um "desvirtuamento". "Há uma avalanche de processos", disse. "Estou no STF há 23 anos e nunca vi tantos." Há outros problemas estruturais que persistiram à reforma do Poder Judiciário. Um é o elevado número de ações de servidores públicos tramitando no tribunal, 26 vezes maior do que a de trabalhadores com carteira assinada. Estima-se que o país tem 39 milhões de trabalhadores com carteira assinada, enquanto o número de servidores públicos não chega a 6 milhões. "O empregador particular respeita mais os direitos trabalhistas do que o Estado", afirma Marco Aurélio. Outro problema é a concentração de processos - "uma deficiência que continua afetando a Suprema Corte", segundo Hartmann. As cem principais partes - como bancos, empresas de telefonia e órgãos governamentais, como o INSS - controlam dois terços dos processos que chegaram no Supremo no ano passado (ao todo, foram mais de 72 mil). Para o ministro, o STF não dá mais conta: "Estamos inviabilizados. O tribunal precisa ser transformado em um tribunal estritamente constitucional", concluiu.