A maioria da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento, nesta terça-feira, dia 29, de que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não ê crime. Votaram dessa forma os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin. A decisão é sobre um caso específico, em um habeas corpus que revogou a prisão preventiva de cinco pessoas que trabalhavam numa clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias (RJ). O mérito desse caso continuará a ser julgado na Justiça do Rio de Janeiro. A decisão desta terça-feira não precisa ser seguida por outros magistrados em casos semelhantes. No entanto, poderá ser utilizada como argumento por juízes que concordarem com o entendimento dos ministros da primeira turma do Supremo. Resistência A decisão enfrentará a resistência da Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), atendendo a apelos vindos principalmente da bancada evangélica, afirmou em plenário na madrugada desta quarta, dia 30, que vai instalar comissão especial para rever o parecer do STF. Maia afirmou que pretende adotar essa posição toda vez que o STF resolver legislar no lugar do Congresso, "ratificando ou retificando a decisão do tribunal." Candidato à reeleição em fevereiro, o deputado cedeu à pressão da maioria da Casa, que ê claramente de caráter conservador. No próximo dia 7 está previsto o julgamento, no plenário do Supremo, composto por 11 ministros, de ação da Associação Nacional de Defensores Públicos sobre a possibilidade de aborto em casos em que mulher for infectada pelo vírus da zika. Decisão Relator do caso analisado nesta terça, o ministro Marco Aurélio já havia concedido liminar em 2014 para soltar os cinco médicos e funcionários da clínica fluminense. Seu fundamento era de que não existiam os requisitos legais para a prisão preventiva (como ameaça à ordem pública e risco à investigação e à aplicação da lei). Nesse processo, nenhuma mulher que praticou aborto na clínica foi denunciada. Em agosto deste ano, quando foi a julgamento o mérito do habeas corpus, Barroso pediu vista. Em seu voto, nesta terça, ele concordou com a revogação das prisões pelos motivos apontados por Marco Aurélio, mas trouxe um segundo fundamento. Para ele, os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto no primeiro trimestre de gestação violam direitos fundamentais da mulher. As violações são, segundo o voto de Barroso, à autonomia da mulher, à sua integridade física e psíquica, a seus direitos sexuais e reprodutivos e à igualdade de gênero. "Na medida em que ê a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não", escreveu o ministro sobre o direito à igualdade de gênero. Além disso, segundo Barroso, a criminalização do aborto causa uma discriminação contra as mulheres pobres, que não podem recorrer a um procedimento médico público e seguro, enquanto as que têm condições pagam clínicas particulares. Ainda de acordo com o voto de Barroso, que foi acompanhado por Weber e Fachin, países democráticos e desenvolvidos como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal e Holanda não criminalizam o aborto na fase inicial da gestação. O prazo de três meses foi tirado da comparação com esses países. Os dois outros ministros da primeira turma, Marco Aurélio e Luiz Fux, não se manifestaram sobre a descriminalização do aborto no início da gravidez. No caso específico, eles também votaram pela revogação das prisões preventivas, mas com base apenas na ausência dos requisitos legais para mantê-las. Barroso declara, em sua decisão, que o aborto não ê algo positivo, e que o papel do Estado deve ser evitá-lo, mas com educação sexual, distribuição de contraceptivos e apoio às mulheres que desejarem manter a gravidez, mas que não tenham condições. Histórico Em 2012, o STF decidiu, por 8 votos a 2, que a interrupção de gravidez no caso de fetos com anencefalia comprovada não ê crime. Na ocasião, Barroso, que ainda não era ministro, advogou a favor da descriminalização. Ele afirmou não se tratar de aborto. Atualmente, o Código Penal prevê expressamente a possibilidade de aborto em casos de estupro e de risco de vida para a mãe.