26/10/2007 - 16:06

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Aborto: Associações contestam tese de Cabral

Associações contestam tese de Cabral

 

 

Da Folha de S.Paulo

 

26/10/2007 - O presidente da Associação de Moradores da favela da Grota (complexo do Alemão, zona norte), Wagner Nicácio, contestou a defesa pelo governador Sérgio Cabral Filho da tese de que, legalizado,o aborto pode evitar o nascimento de criminosos.

 

"Se os governos federal, estadual e municipal investissem em educação, haveria outros caminhos em vez daquele que todo mundo conhece [o tráfico]", disse.

 

Já para Antônio Tibúrcio, da Associação de Moradores da Vila Cruzeiro (Zona Norte), a interrupção da gravidez deveria ser opcional, contanto que houvesse uma estrutura adequada.

 

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Rio, Margarida Pressburger elogiou, com ressalvas, a defesa do aborto. "Somos favoráveis, mas não como uma arma contra a violência. É uma questão de saúde pública, de profilaxia". Presidente da organização Instituto de Defesa dos Direitos Humanos, o advogado João Tancredo fez críticas. "Cabral começa a demonstrar a política de segurança que está implantando, de criminalização da pobreza."

 

 

Estudo de economistas da FGV relaciona criminalidade à desestrutura familiar

 

Estudo dos economistas Gabriel Hartung e Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas, conclui que fatores como maior proporção de filhos de mães adolescentes ou de famílias onde não há o pai ou a mãe presente aumentam a criminalidade - anteontem, o governador Sérgio Cabral Filho afirmou que a legalização do aborto ajudaria a reduzir a violência.

 

Hartung e Pessoa compararam estatísticas de criminalidade nos municípios paulistas de 1999 a 2001 com taxas de fecundidade verificadas em 1980.

 

No estudo, eles afirmam que a literatura criminal já descobriu fortes evidências de que crianças nascidas de mães solteiras, criadas sem o pai ou nascidas de mães com baixa escolaridade têm mais probabilidade de se envolver em crimes.

 

Hartung ressalva que o estudo não trata diretamente de aborto, tema do livro "Freakonomics", de Steven Levitt, que associa a redução de crimes em Nova York à legalização do aborto duas décadas antes.

 

Na pesquisa, porém, Hartung e Pessoa afirmam que "é possível fazer uma relação direta entre os resultados de Levitt e o nosso". "Relacionamos fração de filhos de mães adolescentes e filhos de famílias em que não há o pai ou mãe presente com a criminalidade 20 anos mais tarde. Não defino [toda] gravidez de mãe solteira ou de mãe adolescente como gravidez indesejada, mas afirmo que uma gravidez na adolescência ou de mãe solteira tem maior probabilidade de ser indesejada", disse Hartung à Folha.

 

Afirmação semelhante foi feita nesta semana pelo economista Marcelo Neri, também da FGV, ao divulgar um estudo. Ao falar da maior probabilidade dos jovens do sexo masculino de se envolverem em atos violentos, Neri diz que "no Brasil, a contrapartida feminina de jovens homens solteiros a atividades criminosas é a incidência da gravidez precoce".

 

O trabalho de Hartung e Pessoa foi criticado por demógrafos. Em resposta a ele, o pesquisador José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE, escreveu um artigo em que diz que "os dados das pesquisas do IBGE não possibilitam estabelecer se a relação entre gravidez indesejada e violência é real ou espúria e qual o sentido de causalidade" entre essas variáveis.

 

"Dizer que a gravidez indesejada aumenta o crime, como afirmou Hartung, pode até ser pontualmente verdade, mas escamoteia as principais causas da violência e torna as mulheres sem marido e seus filhos os bodes expiatórios de um problema que é muito mais complexo. Pior ainda, dizer que o controle de natalidade é um instrumento fundamental para o combate à criminalidade no Brasil é receitar um remédio errado para um público alvo desfocado, além de ferir e agredir os princípios estabelecidos, nacionalmente e internacionalmente, dos direitos sexuais e reprodutivos", disse, no texto.

 

 

Se homem ficasse grávido, aborto já seria legal no país

 

O governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB), 44, disse ontem que pretende "extirpar" o tráfico que domina quatro grandes favelas (Complexo do Alemão, Rocinha, Manguinhos e Pavão Pavãozinho) até fevereiro, quando começam as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal em associação com o Estado e o município.

 

Na entrevista que concedeu em seu gabinete, no Palácio Guanabara (Laranjeiras, zona sul), Cabral reclamou da manchete de ontem da Folha - "Para Cabral, fertilidade faz de favela "fábrica de marginais'" - por considerá-la errada. "Não é a favela que é uma fábrica de produção de marginal, mas é o fato de o Estado não ter uma política pública e não oferecer às mulheres pobres a chance de suspender a gravidez", explicou.

 

"Se o homem ficasse grávido e não a mulher, o aborto já seria legal no Brasil há muito tempo", disse.

 

Folha: A sua declaração provocou uma forte contestação.

Sérgio Cabral: Foi um erro da Folha. Eu não disse que a favela é uma fábrica de produzir marginal, como está na manchete. O que eu venho defendendo há muito tempo é o direito da mulher à interrupção da gravidez indesejada. Se o homem ficasse grávido e não a mulher, o aborto já seria legal no Brasil há muito tempo.

 

O que fiz menção no caso da violência é que o livro "Freakonomics" [Steven Levitt e Stephen J. Dubner] mostra que, nos EUA, o fato de o aborto ter sido legalizado teve uma relação importante com a queda da criminalidade lá na frente.

 

No momento em que uma mulher, pobre ou rica, tem a opção de ir à rede pública ou privada credenciada estaria garantido um direito que hoje não é concedido e que teria implicações no perfil demográfico brasileiro e traria diversas conseqüências, entre elas, a redução da criminalidade, como mostra o livro.

 

Folha: As declarações que o senhor fez permitem entender que se referia às favelas quando falou em "fábrica de produzir marginal".

Cabral: Não é a favela que é uma fábrica de produção de marginal, mas o fato de o Estado não ter uma política pública e não oferecer às mulheres pobres a chance de suspender a gravidez.

 

Folha: Há uma discussão sobre o aborto sob o ponto de vista da saúde pública.

Cabral: Claro que é saúde pública, mas tem decorrências. Vai numa comunidade carente e verá o número de meninas com 19 anos com dois, três filhos que elas não queriam ter. O planejamento familiar é importante, assim como uma série de políticas públicas e o aborto.

 

Folha: O senhor já defendeu a descriminalização das drogas, a redução da maioridade penal, a autonomia dos Estados para legislarem sobre, entre outros temas, questões penais e, agora, o aborto. Que outras idéias o senhor tem para enfrentar a criminalidade?

Cabral: Piraí é uma cidade do centro-sul fluminense que tem 25 mil habitantes e dez vezes mais escolas públicas do que no Complexo do Alemão, onde moram 130 mil pessoas. Tem alguma coisa errada. Defendo investimentos sociais e urbanísticos, que é o que vamos fazer com o PAC. Vamos transformar essas comunidades, que passarão a ter um investimento civilizatório. Hoje elas estão jogadas.

 

O outro aspecto importante é o enfrentamento [com o tráfico nas favelas]. Nossa política não pode abrir mão do enfrentamento porque eu não posso aceitar que seja normal que um carro da polícia entre numa comunidade e seja alvejado por criminosos. É sinal que ali existe um controle paralelo e nós temos de enfrentá-lo.

 

Folha: Mas esta política, já em vigor em outros governos, não tem levado a um resultado satisfatório.

Cabral: O preço do estresse do enfrentamento é um preço que trabalhamos diariamente para ter a menor conseqüência possível, de preferência que não haja uma vítima inocente. Aquelas comunidades onde entramos e enfrentamos o crime organizado ficam muito felizes porque estão cansadas da selvageria diária.

 

Folha: Por que o governo não consegue dominar e permanecer nas áreas que invade?

Cabral: Só se você me trouxer 15 mil homens novos e me der as condições. Não temos contingente suficiente para isso. A polícia de Nova York tem mais de 120 mil policiais para 11 milhões de habitantes, nós temos 50 mil policiais para 15 milhões de habitantes.

 

Folha: O governo vai iniciar as obras do PAC no Complexo do Alemão com o tráfico atuante ou vai extirpá-lo antes das obras?

Cabral: Vamos extirpar. Vamos extirpar em muitos lugares. Não é uma briga fácil, é uma guerra que você não tem como mensurar o cronograma.

 

Folha: Então não tem como implantar hoje o PAC nestas favelas com o domínio do tráfico?

Cabral: Não tem, de jeito nenhum.

 

Folha: E quando começa o PAC?

Cabral: [Ri] Possivelmente em fevereiro.

 

Folha: Então teremos o Alemão em fevereiro com PAC e sem tráfico?

Cabral: Teremos.

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