Os últimos números sobre a ocupação da força de trabalho no Brasil, publicados pelo IBGE, demonstram o seguinte quadro:

(a)   12,8 milhões de desempregados;

(b)   15,6 milhões de “desocupados”, subocupados (disponíveis para trabalhar mais horas) e “desalentados” (que desistiram de procurar emprego);

(c)    11,7 milhões de trabalhadores do setor privado sem carteira de trabalho assinada;

(d)   24,2 milhões de pessoas na informalidade.

A renda média da população caiu e se estabilizou na ordem de R$ 2.290.

O quadro é caótico.

O resultado pode ser testemunhado nas ruas das grandes cidades, em cada esquina, nas cidades com suas favelas, no crescente número de moradores de rua e no interior do país, com seus bolsões de miséria. São mais 13,2 milhões de brasileiros vivendo em condições de extrema pobreza.

Cresce o número de brasileiros que decidem deixar o Brasil e vão morar no exterior em busca de remuneração digna e compatível com a respectiva formação profissional.

Exportamos inteligência.

Curiosamente, nesse cenário de precarização da força de trabalho nacional, a Justiça do Trabalho experimenta uma redução de 34% do volume de ações ajuizadas em 2018, quando comparadas com o número de ações propostas em 2017.  Em números absolutos, 2.630.522 ações ajuizadas em 2017 caíram para 1.726.009 em 2018. Números que não podem ser interpretados nem mesmo pelo analista imberbe como sinalizadores de uma relação capital/trabalho que evolui de forma estável e equilibrada no país.

Os efeitos da Reforma Trabalhista sobre a vontade de o trabalhador buscar o reconhecimento do seu direito perante o juiz do Trabalho é manifesto e um dos motivos certamente está na nova redação do art. 791-A, §§ 3º e 4º, da CLT, que atribui ao beneficiário da justiça gratuita, quando vencido, o pagamento das obrigações decorrentes da sucumbência, vedada a compensação entre os honorários.

A justificativa do legislador para a imposição do pagamento de honorários de sucumbência ao reclamante, inclusive quando beneficiário da gratuidade de justiça, reside na aparente necessidade de se desestimularem as chamadas lides temerárias, muito embora em 40 anos de advocacia, militando diariamente na Justiça do Trabalho, não me recorde de decisão definitiva que tenha declarado o autor litigante de má-fé, ainda que a reclamação tenha sido julgada improcedente. 

O tema, nesse quadro de desigualdade social, suscita acalorado debate sobretudo porque, sabidamente, a possível condenação ao pagamento dos honorários de sucumbência e das custas processuais vem afastando o trabalhador da Justiça, restringindo o seu acesso ao Poder Judiciário.  Nunca é demais lembrar que a Justiça do Trabalho é a Justiça dos desempregados.  Estima-se que 80% das reclamações são promovidas por desempregados e os outros 20% restantes são ajuizadas contra ex-empregadores.

Então, a nova obrigação prevista em lei do pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios pelo reclamante, ainda que beneficiário da gratuidade de justiça, associada à morosidade dos trâmites processuais e o risco inerente à toda e qualquer reclamação proposta, por certo esmorecem a vontade de litigar em juízo.

Mas nem tudo são trevas.

Conquanto não abranger especificamente o tema da obrigação pelo hipossuficiente do pagamento dos honorários de sucumbência, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, em sessão realizada no último dia 6 de junho, declarou a inconstitucionalidade do §2º do art. 844 da CLT, que impõe ao beneficiário da gratuidade de justiça a obrigação do pagamento das custas quando, pela sua ausência injustificada à audiência, provoca o arquivamento da reclamação. E do Tribunal Superior do Trabalho vem os primeiros julgamentos sobre o tema.

Destaco dois acórdãos, por sinal ambos da 3ª Turma, que abordam o tema da gratuidade de justiça e da condenação ao pagamento dos honorários imposta ao reclamante.

A primeira decisão, da lavra do ministro Alexandre Agra Belmonte, proferida por unanimidade, manteve firme o item I da Súmula 463 do TST, no sentido de que basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado munido de procuração específica para a concessão da assistência judiciária gratuita (Proc. TST/RR/1002229-50.2017.5.02.0385).

Em outra decisão (Proc. TST.AI.RR 2054-06.2017.5.11.0003) igualmente unânime, que contou com a relatoria do ministro Alberto Bresciani, a 3ª Turma, embora confirmando a constitucionalidade do art. 791-A, parágrafo 4º, da CLT, ressalva que a cobrança dos honorários de sucumbência do beneficiário da gratuidade de justiça exige cautela, ponderação e cuidado quanto à possibilidade de ser ou não tendente a suprimir o direito fundamental do acesso ao Judiciário daquele que demonstrou ser pobre na forma da lei, ou seja (digo eu), nos termos do item I da súmula 463 do TST.

A decisão é peremptória no sentido de que “só será exigido do beneficiário da Justiça gratuita o pagamento de honorários advocatícios se ele obtiver créditos suficientes, neste ou em outro processo, para retirá-lo da condição de miserabilidade”.

E penso eu que também não será permitido o cumprimento da obrigação se o pagamento dos honorários de sucumbência produzir o efeito de devolver o reclamante à mesma e indesejável condição de miserabilidade. A consumação dessa última hipótese seria perversa e violaria todos os princípios constitucionais que privilegiam a dignidade da pessoa humana.

Há milhões de pessoas em busca de trabalho e de trabalho digno, remunerado de modo a garantir a subsistência familiar minimamente decente.

Pessoas que driblam o infortúnio do desemprego na informalidade. Trabalhadores aos quais não é assegurado sequer o salário mínimo. Férias, 13º salário, limitação da jornada, FGTS e demais direitos previstos na Constituição Federal são postos no esquecimento.

Milhões de sonegadores compulsórios da contribuição previdenciária e de impostos. Praticantes do gato luz, gato água, do ‘gato net’. Agentes involuntários da cupinização da moral social. Vítimas do trabalho precarizado e sem carteira assinada, do subemprego. Perversamente classificados também como desalentados ou desocupados.

Todos, e desse conjunto não descarto aqueles hoje empregados, à espera do primeiro sinal do primeiro passo em direção da Justiça do Trabalho, cuja porta, no momento atual, lhes parece fechada.

Mera aparência, afinal posso afirmar, baseado nas sentenças citadas, “que há um sol sobre essa chuva e um grito parado no ar”.

Esse texto é uma singela homenagem a Gianfrancesco Guarnieri (6/8/1934 – 22/07/2006).

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