A controvertida Medida Provisória 905/2019, que institui o contrato de trabalho “Verde Amarelo” e altera a legislação trabalhista em vigor, ainda não produz plenos efeitos, uma vez que esse tipo de contratação, na sua essência, ainda depende de atestado, por ato do ministro da Economia, da compatibilidade de suas disposições com as metas e resultados fiscais previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Aliás, é intrinsecamente inconstitucional visto que, se a MP só se justifica para casos de relevância e urgência por ato praticado pelo presidente da República, a sua vigência não pode ser condicionada a novo e diferente ato do Ministro da Economia. Trata-se de contradição indesatável que eiva de inconstitucionalidade a própria MP. E se assim o é, tal fato, por si só, já desencoraja esse tipo de contratação.

Some-se a isso o verdadeiro bombardeio que sofre a MP no Supremo Tribunal Federal por meio de ADIns. Adicione-se a eterna instabilidade política que parece ter feito seu ninho no país. O resultado é a insegurança jurídica e política, que tanto incomoda as partes no momento da contratação.

Definitivamente, não aconselho nem mesmo aos empresários essa modalidade de contratação de mão de obra sem a prévia definição pelo Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade das disposições que autorizam, por exemplo:

(a) o recolhimento mensal do FGTS no percentual de 2% sobre a remuneração mensal devida;

(b) o pagamento pela metade da indenização sobre o saldo do FGTS na hipótese de rescisão/extinção do contrato de trabalho;

(c) o pagamento do adicional de periculosidade no percentual reduzido de 5% sobre o salário-base do empregado, conforme dispõe o art. 15, §3º da MP;

(d) o pagamento mensal do décimo terceiro salário e férias na forma proporcional;

(e) a recontratação na nova modalidade “Verde e Amarela”, vencido o contrato de experiência ou de aprendiz;

(f) a aplicação das normas insertas na MP, mesmo que contravenham cláusulas previstas em acordos ou convenções coletivas de trabalho.

A Constituição Federal de 1988, promulgada após longo período de regime militar, afirma como autêntico fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, que guarda como objetivo fundamental, entre diversos postulados, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais (art. 1º e 3º).

Nada obstante, nos últimos anos, o país testemunhou o aumento da pobreza, que atingiu o número de 55 milhões de brasileiros. Chegou ao número recorde de pessoas vivendo abaixo da linha da miséria nos últimos 10 anos. Contamos mais de 12 milhões de desempregados, outros tantos de desalentados e de trabalhadores informais.

A MP 905/2019 atinge justamente aqueles que mais necessitam da tutela do Estado.  Cristaliza a miséria ao autorizar a exploração da mão de obra mediante o pagamento de salário aviltante e em condições degradantes.  Em medida absolutamente singular, que a minha memória não encontra paradigma, a MP estabelece um teto salarial para o empregado “Verde Amarelo” contratado: um salário mínimo e meio nacional (artigo 3º). 

Curiosamente, o contrato de trabalho “Verde Amarelo” consagra o labor sem esperança.  Aquela justa esperança de que a faina diária resultará em dias melhores. Antes pelo contrário, o contrato de trabalho “Verde Amarelo” valida a precarização da mão de obra empregada, marginalizada de conquistas sociais mínimas tais como o depósito do FGTS no percentual de 8% da remuneração ou a multa de 40% na hipótese de dispensa sem justa causa...

Transforma o trabalhador “Verde Amarelo” num excluído da sua própria categoria profissional, dado que não lhe beneficiam as conquistas obtidas nos acordos ou convenções coletivas que contravenham as disposições previstas na indigitada MP 905/2019.

E, sob esse ângulo, a MP é perversamente isonômica.  Na hipossuficiência todos são iguais, homens e mulheres, brancos, negros, índios, mulatos, pardos, cafuzos, independentemente de categoria profissional, credo, raça, identidade de gênero... 

É vida que segue.

Em tempo:  saudade eterna de Candido de Oliveira Bisneto e do amigo Sérgio Eduardo Fisher.