A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no recente julgamento do Resp. 1.733.013/PR, por unanimidade, proclamou a natureza taxativa do rol de doenças estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para fins de cobertura contratual obrigatória. Pôs-se fim a tormentosa discussão sobre a taxatividade dessa lista. O voto condutor, do ministro Luis Felipe Salomão, mostrou-se consistente e corajoso já que, à primeira vista, o entendimento poderia parecer contrário aos interesses do consumidor. Entretanto, revela-se justamente o contrário: trata-se de orientação altamente positiva para a preservação do mutualismo indispensável à proteção do sistema de saúde e, conseguintemente, dos consumidores de planos de saúde. E é bem fácil entender o porquê.

O Plano Privado de Assistência à Saúde, tal qual os contratos de seguro, tem como principal pilar a pulverização de riscos decorrente do mutualismo, por meio da substituição de perdas incertas por um custo pré-determinado. Trata-se, assim, de compartilhamento de despesas, mediante a contribuição de todos para o benefício individual de cada um dos contribuintes. Em consequência, o desequilíbrio econômico-financeiro em um único contrato acarreta prejuízo a todos os demais. O princípio do mutualismo, portanto, fundamenta e norteia os contratos de planos de saúde e, de maneira geral, as relações securitárias. O respeito à cultura do mutualismo é indispensável ao desenvolvimento deste setor no Brasil.

Com a evolução tecnológica, cada vez mais veloz, os custos com a saúde incrementam-se exponencialmente, tornando cada vez mais complexa e sofisticada a gestão dos recursos mutualísticos empregados para o atendimento aos participantes de cada Plano de Saúde. Daqui a regulamentação rigorosa, por parte da ANS, de modo a tornar possível o atendimento a todos os usuários do sistema com base nos valores previamente calculados, limitando-se o mais possível o reajuste e majoração dos planos, a partir da definição dos procedimentos e eventos cobertos.

Essa delicada equação se reflete no equilíbrio e na sustentabilidade econômico-financeira dos contratos individuais e coletivos de planos de saúde. Trata-se de escolhas dramáticas, por vezes trágicas, na expressão consagrada pela análise econômica do Direito, tanto no sistema público de saúde, quanto no sistema privado, no sentido de compatibilizar o mais amplo atendimento pelo menor custo possível, dentro dos limites orçamentários estabelecidos pelo mutualismo.

Em cenário de intensa judicialização, avulta o risco de se pretender solucionar a casuística do direito à saúde de forma individual, desconsiderando-se as relevantes implicações coletivas de cada decisão judicial, seja por se tratar de problemas comuns, seja pelo impacto mutualístico de qualquer solução adotada. No entanto, o necessário atendimento a todos os beneficiários propiciado pelo mutualismo deve reger a interpretação do rol de procedimentos e eventos de saúde, revisto periodicamente pela ANS, o qual estabelece a cobertura mínima obrigatória.

Dessa maneira, as operadoras dos planos de saúde encontram-se obrigadas à cobertura mínima para todo e qualquer plano, não lhes sendo facultado, em consequência, subtrair do espectro de cobertura qualquer item do rol estabelecido pela agência. Tal lista, juntamente com o conteúdo adicional avençado (e precificado) pelas partes, definem a comutatividade contratual e o equilíbrio econômico das prestações.

Justamente por tal motivo, o rol de procedimentos e eventos da ANS deve ser considerado taxativo, como consagrado pelo STJ, no que se refere à cobertura obrigatória prestada pelas operadoras e seguradoras de saúde, já que o seu conteúdo é vinculante e definidor da comutatividade contratual, sendo a contrapartida econômica do preço das mensalidades, a garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de planos de saúde. Fosse o rol da ANS meramente exemplificativo, desvirtuar-se-ia sua função precípua, não se podendo definir o preço da cobertura diante de lista de procedimentos indefinida ou flexível. O prejuízo para o consumidor seria inevitável, já que, caso desrespeitada a regulação incidente, de duas uma: ou sobrecarregam-se os usuários com o consequente repasse dos custos ao preço final do serviço, impedindo maior acesso da população – sobretudo os mais vulneráveis economicamente – ao Sistema de Saúde Suplementar, ou inviabiliza-se a atividade econômica desenvolvida pelas operadoras e seguradoras.

Vê-se, pois, que, no ambiente mutualístico, a extensão dos direitos individuais contratados, embora sedutora na busca de alternativas de tratamentos, incluindo o caso de técnicas não comprovadas, produz consequências econômicas devastadoras, com repercussão negativa em todo o conjunto de participantes do plano, assegurando-se aos beneficiários procedimentos que sequer possuem a devida comprovação de acurácia, eficácia e ausência de riscos à saúde – previamente ponderados sob o ponto de vista técnico –, a acarretar a majoração dos custos das mensalidades, rompendo o equilíbrio econômico de todos os demais contratos.

Desse modo, ao contrário do que a percepção comum pudesse cogitar, os primeiros prejudicados com o desequilíbrio econômico de determinado contrato de plano de saúde são os demais participantes. Afinal, cada direito adicional que se pretenda agregar ao contrato tem seu custo matematicamente calculado. Por isso mesmo, a interpretação extensiva, aparentemente generosa, acaba por comprometer o mutualismo e o equilíbrio das prestações estabelecidas em cada plano de saúde. Nessa espécie contratual, de fato, revela-se de maneira evidente o princípio da função social, na exata medida em que o interesse individual, para ser exercido e guarnecido, depende visceralmente do respeito ao direito de todos os demais participantes, em recíproca proteção e sustentabilidade (unus pro omnibus, omnes pro uno).

Em definitivo, é certo que, em se tratando de saúde, não há vencedores ou vencidos. Afinal, o sistema de saúde congrega, em si próprio, o dilema entre a garantia do direito constitucional à saúde e as limitações orçamentárias para promovê-lo e preservá-lo. Cabe ao Judiciário zelar por esse equilíbrio. Qualquer escolha impõe resultado sempre dramático. Por isso mesmo, andou bem o Superior Tribunal de Justiça. A atenção às normas regulamentares e contratuais mostra-se o único meio para preservar a saúde do fundo mutualístico e da população atendida.

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