23/06/2008 - 16:06

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Brasil fornece precatórios para mercado de alto risco

Brasil fornece precatórios para mercado de alto risco

 

 

Da Folha de S. Paulo

 

23/06/2008 - Um mercado de alto risco que só existe no Brasil começa a atrair investidores nacionais e estrangeiros. Com o mercado de títulos "subprime" (segunda linha) fechado nos EUA, bancos e fundos dispostos a arriscar uma parcela de seu patrimônio descobriram no Brasil papéis de altíssimo retorno: os precatórios, créditos expedidos pela Justiça, originários de processos contra o poder público e sem possibilidade de recurso.

 

O STF (Supremo Tribunal Federal) calculou há três anos que União, Estados e municípios deviam R$ 64 bilhões em precatórios, mas o montante estimado hoje é de R$ 100 bilhões - valor equivalente ao do superávit primário de 2007. Desse total, cerca de R$ 10 bilhões já fazem parte da carteira de fundos e de bancos estrangeiros do porte do UBS/Pactual, Merrill Lynch, JPMorgan e Morgan Stanley, entre outros.

 

Considerados "junk bonds" (títulos de risco), os precatórios são comprados com deságios (descontos) que variam de 15% a 85% de seu valor nominal, dependendo da previsão de pagamento e da confiabilidade do pagador.

 

"É um negócio da China. O precatório está pegando todo esse vácuo do "subprime". O investidor estrangeiro ganha com deságio, juros, correção da inflação e "spread" [adicional pelo risco]", diz Nelson Lacerda, advogado da Associação dos Servidores Públicos.

 

Para o advogado Marco Antonio Innocenti, membro da Comissão de Precatórios da OAB-SP, a crise nos EUA não ajudou o mercado de precatórios, mas prejudicou-o por aumentar a aversão ao risco. Innocenti estrutura operações de venda de precatórios em lotes.

 

"Precatório não pode ser comparado com o "subprime" porque não tem risco de default [inadimplência]. Não tem possibilidade de não pagar. Tem sim atraso, daí o deságio."

 

Nenhum precatório tem data certa de vencimento - na verdade, já está vencido -, mas os pagamentos são feitos hoje por ordem cronológica. Há dois tipos de precatórios: os alimentares (pessoa física), geralmente originários de ações trabalhistas de servidores, e os não-alimentares, de empresas que ganharam causas em litígios.

 

 

Prioridade invertida

 

Para priorizar o pagamento dos precatórios alimentares, uma emenda constitucional de 2000 definiu o parcelamento dos não-alimentares em dez vezes. A emenda acabou invertendo as prioridades: sem dinheiro e temendo o seqüestro de bens (as empresas ganham a execução se a parcela não for paga), alguns Estados "esqueceram" na fila os alimentares e praticamente só pagam as parcelas dos não-alimentares.

 

Precatórios de maior "rating" (nota), os federais são os mais procurados no mercado. A maioria resulta de ações de usineiros. Com valores de mais de R$ 20 milhões, todos são pagos em dia. O tempo de espera nunca passa de 18 meses, sendo que neste ano o governo até adiantou os pagamentos. Há dois anos, esses precatórios eram comprados por 50% de seu valor, mas agora dificilmente saem por menos de 65%.

 

Em seguida, os precatórios mais líquidos são os de São Paulo, Estado que também mantém em dia o pagamento parcelado dos não-alimentares.

 

Para calcular o deságio, o investidor faz uma simulação de vencimento e traz o pagamento a valor presente -desconta juros e mais um adicional para compensar o risco de mudança na política de pagamento.

 

Por outro lado, Estados como Rio Grande do Sul e Paraná têm mais de R$ 30 bilhões sem previsão de pagamento. Os papéis são vendidos por 10% do valor.

 

No caso dos alimentares, um servidor costuma levar dez anos para ter seu processo julgado em todas as instâncias e a sentença virar um precatório. Depois, deve esperar mais dez anos na fila até receber o pagamento -ou seja, o ciclo do precatório dura em média 20 anos.

 

Segundo Lacerda, muitos servidores já morreram quando o pagamento é feito - o valor é pago aos herdeiros. Um servidor paulista que vende seu precatório consegue obter entre 25% e 40% do valor nominal. Desse total, de 10% a 30% ficam para os advogados, que recebem pelo êxito da ação.

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